Há alguns meses fui abordado por um senhor idoso com aspecto de itinerante. Em tom cordial, apontou para a minha barba, dizendo: “Quem tem barba não fica doente”. Prontamente concordei. O velho, então, declarou: “O certo é viver como Deus fez o homem. Viemos do pó e vamos voltar prá lá” – disse apontando para o chão. “Até porque, nem dá mais prá ir pro mercado. Lá tá tudo contaminado”.
Muitas vezes é justamente no contato com quem está “fora da curva” que encontramos aquela simplicidade visceral, sobremodo honesta e portadora da crua verdade sobre o homem e o mundo, que é uma verdade bastante óbvia e descomplicada. Também é em momentos de exceção, nos quais todos parecem estar tensos e assombrados com as perspectivas, que estamos mais sensíveis para entendimentos tão básicos, dos quais muito facilmente nos desviamos, puxados pelos compromissos ininterruptos e pelas seduções de um cotidiano atarefado e cheio de entretenimento. Quando a perspectiva da morte toma forma no horizonte próximo, como possibilidade real, a voz do sujeito simples, que já está no limite da vida, pode ressoar em nossos ouvidos: “Viemos do pó e iremos voltar para lá”.
Assim que o homem se afastou de Deus, no Éden, as demandas do trabalho árduo foram-lhe apresentadas junto da realidade da morte: “Com o suor do teu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra”. E, tal como me disse o andarilho: “porque você é pó, e ao pó voltará” (Gênesis 3:19). Durante boa parte da História Ocidental, essas duas verdades se mantiveram assim unidas: “Carpe Diem et Memento Mori”, ou, “Aproveite o dia, mas se lembre que és mortal”. No nosso mundo atual, acabamos ficando com apenas a primeira parte, “aproveite o dia”, e não temos mais ocasião, e nem mesmo preparo de espírito ou vontade, para considerar que somos mortais. Se, contudo, não o fizermos intencionalmente, pela própria natureza e da vida humana e do mundo, algum dia seremos obrigados a fazer. Essa Pandemia, que foi a razão da conversa que citei acima, talvez tenha levado muitos de nós a antecipar a reflexão que preferiríamos ter deixado para o último minuto, ou o mais longe possível. Ela nos fez reformular rotinas, revalorizar nossos relacionamentos, ansiar por coisas simples e entender que todo o esforço para eternizar o corpo em saúde perfeita ou amontoar riquezas, diante daquilo que a vida de fato é, talvez não tenha sido o melhor investimento.
Caro leitor: O grande rei Salomão chegou a conclusões semelhantes: “Tudo é vaidade” (Eclesiastes 1:2). Mas, ele também descobriu que isso não é motivo de desespero, quando a nossa fé estiver firmada n’Aquele que é maior do que o próprio mundo. Jesus Cristo, o Deus Filho, é o único homem que venceu a morte, fazendo-se assim, o nosso Salvador. Contudo, é preciso buscá-Lo e entregar-se a Ele. Aproveite, sim, cada dia que te é concedido aqui, mas lembra-te que este também é o tempo de te preparares para a eternidade. “É necessário que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar” (João 9:4). Há algo mais além do pó!
(Natanael Pedro Castoldi – Psicólogo Clínico)