No Salmo 39.1-2, o rei Davi expõe um dilema complicado: “Disse comigo mesmo: guardarei os meus caminhos: guardarei os meus caminhos, para não pecar com a língua; porei mordaça à minha boca, enquanto estiver na minha presença o ímpio. Emudeci em silêncio, calei acerca do bem, e a minha dor se agravou”.
O profeta Jeremias faz um desabafo ainda mais candente: “Persuadiste-me, ó Senhor, e persuadido fiquei; mais forte foste do que eu e prevaleceste; sirvo de escárnio todo o dia; cada um deles zomba de mim. Porque sempre que falo, tenho de gritar e clamar: Violência e destruição! Por que a palavra do Senhor se me tornou um opróbrio e ludíbrio todo o dia. Quando pensei: não me lembrarei dele e já não falarei do seu nome, então, isso me foi no coração como fogo ardente, encerrado nos meus ossos” – Jeremias 20.7-9.
Aliás, esse é o dilema de todos os profetas. Habacuque reclama com Deus, dizendo: “Até quando, Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritar-te-ei violência! E não salvarás? Por que me mostras a iniquidade e me fazes ver a opressão? Pois a destruição e a violência estão diante de mim; há contendas, e o litígio se suscita. Por esta causa, a lei se afrouxa, e ajustiça nunca se manifesta porque o perverso cerca o justo, e a justiça é torcida” - Habacuque 1.1-4.
E, em todos os casos, Davi, Jeremias, Habacuque, como resposta às suas queixas, simplesmente recebem de Deus uma nova palavra. Falar é difícil? Calar é pior!
Dias atrás reencontrei um velho amigo e, expressando minha preocupação com os rumos que o mundo está tomando, ele simplesmente colocou a mão no meu ombro, olhou bem nos meus olhos e com um sorriso misto de gozação e consolo disse-me: -Armando! O mundo mudou. É só isso!- E para ele, devido ao rumo que a nossa conversa tomou, percebi que de fato estava tudo bem. Pensei: Mas será possível que ele não percebe como as coisas estão? Então, voltando para casa triste, uma voz falou ao meu coração: Você é o profeta, não ele!
Quantas vezes, a exemplo de Davi, Jeremias, Habacuque e tantos outros, eu também penso em me calar. Mas não consigo! Como Davi, também já compus poemas, falo de coisas suaves, componho algumas músicas, toco e canto em louvor a Deus. Mas no fundo, no fundo, há um profeta em mim que não consegue se calar. Mesmo nas horas que me vejo sem forças; quando penso em ficar quieto no meu canto; quando sou tentado a deixar tudo de lado e cuidar apenas da minha vida, exatamente nesse ponto, um vulcão explode dentro de mim. Então volto para o face book, escrevo minhas crônicas, envio e-mails para meus contatos, desabafo com minha esposa, filhos, membros da minha Igreja... simplesmente não posso calar!
Não posso calar, por que vejo o mundo se esfacelando diante dos meus olhos. Não posso calar por que não olho somente para o meu umbigo. Não posso calar por que sei que toda semeadura produzirá sua colheita. Não posso calar por que há um sistema perverso, diabólico, sem qualquer escrúpulo tentando destruir todo o bem que o ser humano já construiu. É o espírito do anti-Cristo. Você o percebe visivelmente em todos os lugares, espalhando morte e destruição.
Prezado leitor: Talvez você esteja também sentindo a minha dor. Mas, se como aquele velho amigo, a resposta que simplesmente o mundo mudou lhe satisfaz, reflita: Seria essa a única maneira de mudar? As coisas não poderiam ter mudado diferente? Precisaríamos de tanta violência? Tanto vício? Tanta desonestidade? Tantas famílias destruídas? Tantas crianças sem afeto? Tantos velhos se prostituindo? Que vergonha! Tanto descaso com a vida? Tanta corrupção na política? Tanta aversão a Deus? É por isso que não há muitas alternativas: Profetas são seguidos, ou perseguidos. Mas falam!