Recentemente, a clínica na qual realizo atendimentos psicológicos mudou de lugar e foi parar numa parte de Lajeado que eu pouco conheço, apesar de morar nessa cidade há alguns anos. Sempre vou ao trabalho caminhando, e assim foi naquele dia nublado. Seguia, pois, com o horário pouco folgado, até que passei a ouvir um vira-lata velho e corpulento latindo desesperadamente na frente de uma casa. Me aproximei para entender a situação. A casa estava em obras e ninguém ali conhecia o animal. Não sabia se estava perdido ou com alguma dor, pois latia, uivava e chorava. Fiquei num impasse, já que não conhecia bem a área e estava no curso do trabalho. Movi-me um pouco e o cão veio em minha direção. -É, eu realmente não poderia fazer outra coisa que não fosse ajudá-lo! Mas como? Decidi ir andando deixando o velho cachorro me seguir.

            “Em algum lugar alguém poderá ajudar”, pensei. E fui indo sem saber. O cão não andava rápido, então eu precisei diminuir minha velocidade e parar diversos momentos para esperá-lo. Cada pouco ele se distraía, uivada e gemia até eu chamá-lo novamente, incentivando-o. Parei em uma casa solicitando ajuda, sem sucesso. Prossegui. “Talvez tenha um petshop adiante”, pensei. Conversei aqui e ali e fui sendo orientado até chegar a uma clínica veterinária… que estava fechada. Fiquei por uns minutos procurando algum sinal de vida atrás das vidraças. Uma moça, dona do local, me percebeu e veio me atender. Após um breve diálogo, consegui com que o cão ficasse com ela, para ser cuidado até que seu dono fosse encontrado. Nisso se foram trezentos metros e vinte minutos. Me retirei lentamente enquanto o animal comia, e fui atender meus pacientes quase atrasado, mas de consciência limpa.

            O mundo é um lugar cheio de eventos que se cruzam o tempo inteiro, e às vezes calha de algo inusitado acontecer bem na nossa vez de passar por uma trivial casa em obras. No final, não temos real controle sobre muitas das circunstâncias, e podemos ser tirados do fluxo, como aquele cão anônimo nunca visto, que fez meu caminho encontrar cinco rostos sem nome e para os quais o meu também é desconhecido. São incontáveis as histórias que atravessamos, mas nas quais não nos envolvemos, ou sequer prestamos atenção. Mas elas estão ali, nas gentes e nos eventos que vemos e nas coisas que encontramos. A questão é se estamos abertos ou não e se estamos disponíveis ao inesperado que vai acontecer e exigir algo de nós.

Caro leitor: Para mim a resposta já estava pronta: a oportunidade para o bem é prioridade. É com esse olhar que eu notei a necessidade e que acolhi o inesperado. Talvez a diferença que realmente fazemos no mundo esteja aqui, nas pequenas participações naquilo que não esperávamos; em bondades diárias mais do que em magnânimos projetos de um futuro que nunca chega, “porque, que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece”. Portanto, “enquanto temos tempo, façamos bem a todos” e, o façamos “de todo o coração, como para o Senhor”.  (Tiago 4.14; Gálatas 6.10; Colossenses 3.23)

(Natanael Castoldi – Psicólogo Clínico)